Dormir menos deixa as pessoas mais egoístas, indicam pesquisas
Estudos mostram relação entre o descanso e a vontade de ajudar os outros

Dormir menos afeta a escolha de ajudar os outros e torna o ser humano mais egoísta, apontam pesquisas realizadas nos Estados Unidos e publicadas em conjunto na revista científica Plos Biology. Produzido por quatro pesquisadores da Universidade da Califórnia, o artigo científico divulgado no fim de agosto reúne os resultados de três estudos que caracterizam os efeitos de diferentes graus de perda de sono nos níveis comportamental, cerebral e social.
O que Eti Ben Simon, Raphael Vallat, Aubrey Rossi e Matthew Walker descobriram foi que tanto a privação total de sono, como uma noite sem dormir, quanto uma redução modesta no tempo de descanso reduzem a solidariedade.
Em estudos anteriores, os pesquisadores já haviam relacionado a falta de sono à solidão e identificado que ela prejudicava a atividade da rede de cognição social, fundamental para entender as necessidades e sentimentos dos outros e, consequentemente, ter empatia. Isso levou o grupo a imaginar se tal impacto resultaria em uma redução da vontade de ajudar o próximo e assim surgiu a pesquisa atual.
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“Quando a pessoa dorme menos do que o necessário, se torna mais egoísta, se afasta do convívio social e escolhe não ajudar os outros”, comentam Simon e Walker. Segundo a Absono (Associação Brasileira do Sono), é difícil caracterizar um padrão normal de horas porque as necessidades pessoais variam, mas a recomendação geral para adultos é de ao menos sete horas de repouso.
“O sono é fundamental para muitos sistemas básicos da vida. No entanto, só recentemente descobrimos que a falta de sono altera radicalmente como somos social e emocionalmente, o que pode ser apontado como a própria essência da interação humana e o que significa ter uma existência plena e satisfatória”, avaliam.
No primeiro dos três estudos, os pesquisadores avaliaram o impacto individual de perder uma noite de descanso e analisaram imagens de ressonância magnética para compreender os efeitos da privação de sono no cérebro.
Nele, 24 adultos de 18 a 26 anos foram divididos em dois grupos: um que seria monitorado dormindo e outro que deveria permanecer acordado no laboratório. Ambos foram submetidos a questionários de altruísmo com perguntas como “Se eu tivesse com pressa para chegar ao trabalho e alguém me parasse para pedir informações, eu…” e tiveram os resultados avaliados.
No fim, 78% daqueles que não puderam dormir demonstraram desejo significativamente menor de ajudar os outros, fossem pessoas familiares ou estranhos.
“Descobrimos que a causa subjacente [à interferência do sono na solidariedade] está relacionada à forma como o cérebro processa informações sociais com e sem dormir. Várias regiões do cérebro acionadas quando nos envolvemos com outras pessoas ou quando pensamos sobre o que os outros podem querer ou precisar ficam muito menos ativas quando não dormimos. Em outras palavras, nossa capacidade básica de considerar as necessidades de outras pessoas é prejudicada pela falta de sono e, como resultado, nós efetivamente paramos de ajudar”, explicam Simon e Walker.
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No segundo estudo, os pesquisadores verificaram o comportamento de grupos de pessoas com redução de horas de sono por várias noites seguidas. Os 136 participantes tiveram de responder questionários e escrever por quatro dias uma espécie de diário do sono. Os cientistas observaram que, quando os indivíduos dormiam menos, ficavam mais egoístas, ao o que após uma boa noite de sono as mesmas pessoas se sentiam mais dispostas a ajudar.
Já no terceiro, de escala nacional, eles analisaram mais de 3 milhões de doações realizadas nos Estados Unidos entre os anos de 2001 e 2016 e compararam os padrões antes e depois do início do horário de verão, quando parte da população perde uma hora de sono.
“O último estudo foi talvez o mais surpreendente para nós. Mesmo uma ‘dose’ muito modesta de privação do sono —a perda de uma única hora por conta do horário de verão— tem impacto mensurável e real sobre a generosidade das pessoas”, afirmam os cientistas.
O sono, porém, não é o único fator que pode impactar nas doações. Edson Brito, superintendente de marketing e relações institucionais da AACD, considera que falta no contexto brasileiro uma cultura de doação. “Temos um povo solícito, engajado, mas que não tem o compromisso de doações regulares”, analisa.
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Os pesquisadores concordam que a vontade de ajudar os outros é influenciada por outros fatores, incluindo a cultura. Mas apontam que os resultados podem ser semelhantes independentemente do país, já que a pesquisa mostra que perturbações na qualidade do sono afetam a iniciativa pessoal.
“Esperamos que essas descobertas levem a mensagem de que é hora de recuperar nosso direito a uma noite inteira de descanso, sem constrangimento ou o estigma da preguiça. É hora de começarmos a ajudar os formuladores de políticas públicas ao redor do mundo a promoverem o sono”, defendem os cientistas.